domingo, 29 de novembro de 2009

03 A Fubica


Introdução

Esta história se passou no início da década de 60, alguns anos depois da chegada da família a Rio Grande, vinda de Portugal. 


Eu e meus irmãos sempre ouvimos falar da Praia do Cassino, porém ninguém de nós conhecia, pois, além do fato de morar há pouco na cidade, havia um agravante, não tínhamos carro e para ir ao cassino era preciso ou ter carro, ou então enfrentar a fila do ônibus, pois o trem já não mais existia.


A Fubica chegando em casa


Um dia o Pai se animou e comprou um automóvel, isto é, uma camionete, Modelo A, 1929, modificada para o que se chamava popularmente na época de "Fubica",. 


Lembro do dia em que o Pai foi trazer a esperada viatura. Nós ficamos todos aguardando a sua chegada triunfante. Porém qual não foi a nossa decepção quando a não tão flamante camionete como imaginávamos chegou rebocada, isto mesmo, puxada por uma corda. Percebemos logo que a "Fubica" não veio totalmente pronta para andar. Veio rebocada por outra "Fubica", a do Tio Zé (sempre ele), que era uma Chevrolet Pavão, já alterada, que possivelmente era do ano 1930, portanto um ano mais nova. 

A nossa "Fubica" era um legitimo "Guarda Louça" ambulante, pois, com exceção da parte da frente, o resto era todo em madeira e envidraçada e nas cores de Portugal: verde e vermelho.

Preparativos da viagem


Enquanto a "Fubica" era consertada, na oficina do Tio Zé, com peças quase-novas, comprada no Ferro Velho do Cedro, o melhor e mais surtido da cidade, nós íamos imaginando o dia em que poderíamos viajar nela e ir ao Cassino. 


Passava fim de semana e mais fim de semana e a "Fubica" não ficava pronta nunca. Nós ficávamos ansiosos e comentando o quanto seria interessante conhecermos a praia do Cassino. 

O pai não se mostrava muito animado com esse negócio de ir na praia e ter que viajar com a "Fubica", porém a Mãe era nossa parceira e “enchiaosacodele” para irmos de uma vez.

Rumo ao Cassino


Num belo final de semana a "Fubica" estava pronta e a sonhada ida ao Cassino finalmente seria realizada. Subimos todos na "Fubica": O Pai e Mãe no banco da frente; as gurias no banco de trás e os demais na parte traseira junto com o "fiambre". 


O Pai recomendava:
- Os que vão atrás, fiquem agachados quando passar na Polícia Rodoviária, senão leva multa.
E nós cumpríamos a risca.

Porém a nossa primeira tentativa ficou frustrada e nem chegamos a Polícia Rodoviária que era na entrada do Cassino, pois paramos logo ali na Junção. 


Os pneus que não eram novos e estavam meio carecas não aguentaram a viagem e logo um pneu furou e como não tinha estepe, o jeito foi fazer o conserto e voltar para casa, pois o Pai não confiava nos demais pneus. 

Ainda houve outras tentativas que também não deram certo por causa dos pneus, ou alguma pane mecânica imprevista. 

Finalmente, com pneus melhores e depois de alguma experiência em viagens, conseguimos chegar até ao Cassino.

Chegando no Cassino


Ao chegar ao tão sonhado Balneário, logo na Avenida acho que a "Fubica" sentiu o impacto e meio chucra se assustou com o movimento e começou a tossir, PUF... PUF... FUF... Logo após engasgou e afogou e, para espanto e surpresa nossa, apagou. 


Imaginem a cena: a rua congestionadíssima de carros, fila dupla, os carros coladinhos um no outro e a Fubica apaga bem no meio da rua. Era um tal de buzinar e o Pai atrapalhado tentando fazer a danada pegar e "delearranque", ROONQUE... ROONQUE... ROONQUE... e, nada. 

Foram várias tentativas e desistências, até que, como a bateria não era nova e o dínamo também não carregava nada, acabou que a bateria esgotou a carga. 

Ficamos ali a deriva, rodeados de carros e gente nos olhando. Alguns nos xingavam dizendo:
- Tira essa droga da frente, outros
- Joga esse guarda louça no lixo, outros ainda,
- Recolhe essa porcaria ao ferro velho.
E nós ali, como que extasiados e sem reação. Tá certo que a nossa "Fubica" era velha, mas não precisava ofender tanto. 

Aquilo despertou em nós um sentimento de solidariedade e pena vê-la assim tão massacrada, humilhada.

Pegando no tranco


Um camburão da brigada já vinha se aproximando quando o Pai com determinação e confiança disse:

- Pessoal, o jeito é empurrar. No tranco ela pega.

Nós ainda nos "encolhemos" um pouco, porém, logo também reagimos e num ato de bravura fomos todos nós salvar a dignidade da "Fubica", e também a nossa. 

Não havia outra saída, o jeito era empurrar, isto mesmo, todos teríamos de descer e empurrar. Imaginem a situação: aquela "ratatulha" saindo do "guardalouça" para empurrar. E lá fomos nós, com toda aquela procissão de carros atrás buzinando e xingando. Bom, pensamos, se é para ser, então que seja logo: descemos e fomos logo empurrando até que o motor deu uns estouros, PRRUUM... PUM... PRRUUM... PUM... PROOCC... PROOOC... PRROOC.... e a "Fubica Veia" pegou novamente. Voltamos logo todos para dentro da nossa "Fubiquinha" com a alma lavada: dignidade e veraneio salvos!

Aquela situação toda mexeu com os brios do Pai que ficou um pouco bravo. Nunca tinha dirigido em movimento tão grande o que o deixou um pouco estressado e nervoso. 


Ele passou dirigir resmungando e xingando:
- Não sei de onde saiu tanta gente,
- Nunca vi tanto carro.
- Esse pessoal não anda.
- Parece uma procissão
- Só espero que a "Fubica" não apague novamente.

Chegando na praia


Após muitas andadas e freadas, trancos, barrancos e solavancos, finalmente chegamos na beira da praia. Ai ficamos todos felizes. 


O Pai e a Mãe lembraram de Portugal e a mãe até lembrou que Lisboa ficava do outro lado do mar, era só seguir reto. Também lembraram da viagem de navio quando vieram para o Brasil. 

Tudo era só alegria: o contato dos pés na areia da praia; o bater das ondas em nossas canelas; o entrar no mar salgado e cheio de ondas e finalmente, o tão almejado banho de mar. E a Mãe preocupada com os "pequenos" para que nenhum fosse no fundo. Aquilo era a própria felicidade. 

É claro que não tínhamos protetor solar, guarda sol, cadeiras de praia, etc. Fomos todos só com a roupa do corpo e um fiambre para comer e, é claro os nossos trajes de banho modelo “feitoemcasa”. Logo após comemos o "fiambre" preparado pela Mãe e as gurias: galinha assada e pão e para beber, Quisuco de morango. 

Depois, bem, depois não havia mais nada a fazer a não ser ficar se bronzeando, quer dizer “queimando” no sol. As gurias se deitaram no chão para se bronzear. Eu e os demais fomos jogar bola.

Sob o sol do Cassino


O sol queimava como brasa em pleno verão de janeiro. Tudo isto não durou mais do que uma hora e meia. O sol torrava implacavelmente, e nós ali, sem nenhuma proteção: nem guarda-sol, nem chapéu, nem óculos de sol, nem nada. A nossa pele começou a ficar vermelha como pimentão e a doer. A Mãe sabia que havia perigo de insolação, principalmente para os menores. 


Lá pelas tantas o Pai se indignou e disse:
- Mas que droga de lugar, não tem uma sombra ou uma árvore sequer para a gente repousar e eu não vou ficar aqui neste "solasso". 

Dito isto, a Mãe que já estava preocupada com tanto sol foi nos chamado e logo percebemos que o nosso mini-veraneio estava terminando.
- Subam todos, falou o Pai.
- Vamos indo pois isto aqui é uma "torreira" danada que não dá para aguentar.
- Não sei como essa gente toda aguenta!

O retorno


Subimos todos e logo estaríamos novamente enfrentando o engarrafamento da avenida. Foi um novo sacrifício cruzar por todos aqueles carros. 


A "Fubica" de vez em quanto dava uma tossida PUFF... PUFF... PUFF... porém o Pai, já vacinado e com medo de que ela aprontasse novamente acelerava o máximo não deixando ela apagar. Era uma barulheira tremenda, PROROOOC... PRORROOC... PROOOROC... soltando fumaça e uma fagulha de fogo pelo cano de vez em quando, porém firme e altaneira, não se "mixando" para os carros mais novos e bonitos. 

E nós?... E nós, lá atrás. Um pouco frustrados é verdade, pela brevidade do passeio, porém felizes e com a certeza de que voltaríamos outras vezes. Que saudade danada! Eta Cassino bom!!!!

Candido Coutinho

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